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segunda-feira, 24 de setembro de 2007

FUTEBOL É AMOR

ARTIGO: FUTEBOL É AMOR

Fabrício Carpinejar

Não compreendo quando o futebol torna-se vestimenta da truculência. Ao
invés de estender o pano e alcançar com a bandeira a graça sinuosa das
pipas, arranca-se a flâmula para empregar a madeira como arma. A
bandeira nasceu para o céu, mas é rebaixada progressivamente ao chão.

Não compreendo que a rivalidade entre gremistas e colorados tenha
atravessado a fronteira da provocação para o fanatismo terrorista.

Não há diferença nenhuma em quem coloca uma bomba no corpo ou quem
emprega o corpo para explodir os outros. Futebol não é uma causa
religiosa, não é uma causa nacionalista, não é uma causa separatista.
Futebol é um esporte. Haverá trabalho no dia seguinte.

Não compreendo que assassinatos possam ocorrer entre torcidas
organizadas pelo simples motivo da vítima ser colorada ou gremista. E
que espancamentos tenham como pretexto fora do campo o fato de alguém
estar usando vermelho ou azul, branco e preto. Não entendo essa
normalidade de não contar mais com a possibilidade de torcer no campo
adversário.

Eu levo meu filho de cinco anos para o estádio e desejo que ele ame seu
time mais do que odeie qualquer rival. Não ensinarei meu filho a odiar.

É muita covardia usar a paixão de uma torcida para cometer atrocidades.
É muita covardia mobilizar a força retrógrada do bando quando um
torcedor está sozinho e desarmado.

Isso não é futebol, é crime. Não importa que seja no estádio ou na rua,
é crime.

Não é mais questão de paz, é questão de justiça.

Sou colorado, faço piadas, toco flauta, mas nunca parti para a briga
porque respeito os gremistas. Eles são como eu. Iguais em sua fé e
esperança de que um título venha para recompensar a fidelidade. Iguais,
nem melhores, nem piores. Sofrem como eu. Amam como eu. Brincam como eu.

Sem os gremistas do outro lado, nunca absorveria as derrotas. Os
gremistas transformam a dor da derrota colorada em humor. Na
segunda-feira e quinta-feira no emprego, gremistas estarão me esperando
para rir daquilo que considerava sério, trágico e fatal, e logo percebo
que foi mais um jogo de futebol, não o último, e sigo minha vida mais leve.

A gozação dos gremistas, assim como a dos colorados, é terapêutica,
porque nos possibilita diminuir a gravidade das derrotas e aumentar o
entusiasmo das vitórias. Cada um tem suas razões, e ninguém tem a
palavra final.

È um despropósito um colorado tenta converter um gremista e vice-versa.

Ambos os times cresceram para alcançar o outro. Os três títulos
nacionais do Inter na década de 70 resultaram nos títulos nacionais e no
Mundial do Grêmio nos anos 80. O Mundial do Grêmio na década de 80
desencadeou o Mundial do Inter em 2006. São raras as cidades com dois
times campeões do mundo. A concorrência estimulou a criatividade e a
superação dos limites regionais.

Não é caso de pregar tolerância. Tolerância é para quem não tem
respeito. Respeito se ensina em casa.

Sou de uma família padrão em que só a mãe não tem time, para não
denunciar sua preferência aos filhos. Mãe é igual a comentarista
esportivo, não diz seu time de coração para não entregar de bandeja seu
filho predileto (mas desconfio que ela é gremista). O pai e dois irmãos
torcem pelo Grêmio e eu e a minha irmã pelo Inter. É uma residência que
sai gritando pela chaminé. Explique-me: como posso odiar meus irmãos? Ou
alguém acha que não sofri com os "secadores" na própria sala? Ou alguém
acha que não tive que segurar a raiva quando escutava o trio narrando o
gol adversário? Faz favor, eu convivi com meus medos e frustrações, meus
recalques e dissabores, até reconhecer que a cidade não era dividida
entre os gremistas e os colorados, a cidade é multiplicada.

Reconheço no futebol meu melhor amigo. Queria ser jogador, é claro,
quando menino. Queria ser Paulo Roberto Falcão. Nunca pedi um autógrafo
a ele por não saber o que falar - ainda não decorei o discurso. Seu
jeito de jogar sem olhar para as chuteiras não me condicionou a jogar
bem, mas agora danço melhor. Ao menos, não olho para meus pés. Era um
menino retraído, feio e que falava errado. A bola foi minha companhia na
infância. Seu cheiro de terra e asfalto é camada sempiterna em minhas
mãos. Curtida, o gomo descolando pelo uso tal língua de cão, o estômago
da câmara pulando pra fora. Ela diminuiu minha solidão, ajudou a fazer
turma, favoreceu o surgimento de namoradas.

Futebol é amor.

Precisamos de mais colorados e gremistas sadios, menos colorados e
gremistas doentes. Que o futebol seja a cura das moléstias, não morte
cerebral. E que inicie no Gre-Nal deste domingo, às 18h10.

Publicado no jornal ZERO HORA
Página 11, Opinião, Porto Alegre (RS), 16/09/2007 QRCode

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