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segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O MARIDO NOS FILHOS

Fabrício Carpinejar

Os filhos não desanimam o casamento. Eles nos ensinam novamente a casar.

Sei que não é razoável o que estou afirmando. Não sou razoável, alguém
deseja ser?

Razoável é sentenciar que os filhos tiram o tempo do namoro, interpelam
a todo segundo por banalidades, brigam quando estamos lendo, atendendo
ao telefone ou concentrados. Razoável é concordar que não há com quem
deixar as crianças em mais de uma noite para sair e os programas
tornam-se mais caseiros, a falta de opção converte os incansáveis
sedutores em amigos dorminhocos. O frio, um DVD, o cansaço do trabalho
são desculpas para não tentar algo diferente e superar a escassez de
assunto numa mesa de restaurante. O risco da separação aumenta porque o
amor não é mais prioridade.

Mas não consigo confiar nessa hipótese. Os filhos estão nos oferecendo
aulas de graça (força de expressão; trata-se de fiado, um dia eles cobram).

Vicente me prepara para ser um bom marido. Com seus cinco anos. E sua
timidez carismática.

Não dependo de muita concentração. É seguir seus gestos. Virar um mímico
em minha casa. Um clown de suas pausas e feições.

Eu me preparei para assistir ao jogo do meu time no estádio. Fazia frio
(6º), a noite ia alta e teria uma estrada pela frente. Convidei o
Vicente, com a certeza que aceitaria no ato, logo agradeceria e correria
ao quarto para se fardar. Porém, ele me questionou:

- Que horas vou voltar?
- 1h, acho.
- Desculpa, pai. Mas vou pegar a mãe dormindo, e quero ver sua boniteza
acordada.

Notei que ele roubou minha fala. Era a resposta perfeita de marido. A
frase consagradora. Compensaria uma louça empilhada, uma toalha molhada
na cama, um pote de xampu virado, divorciado da tampa, o azedume no
almoço da sogra, a lâmpada que não troquei na área de serviço. O filho
me substituía enxergando a minha demora. Se sua mãe não estivesse
escutando, cometeria um plágio sem pudor.

Ao sair, enxergo o guri no quarto, com uma vozinha esquisita, abafada,
de marionete. Intuí que estivesse brincando com seus bonecos, falando
por eles, como criança gosta de fazer para povoar a solidão. Mas
conversava com sua mãe. Interrompi.

- Que voz é essa, Vicente?
- Voz? A minha!
- Não, nunca usou essa voz comigo. É uma vozinha dodói, diferente.
- É a voz que uso com a mamãe. Tem uma voz para cada amor.

Espantei-me. Ele seqüestrou pela segunda vez a minha parte no roteiro.
Descobri que utilizo a mesma voz com a minha mulher, e deveria ser
outra, para ela não me confundir comigo mesmo. QRCode

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